Fim do cinema local? Cineastas lamentam paralisação do Amazonas Film Festival.


A imagem do imponente Teatro Amazonas surgindo no meio da selva de pedra sempre foi o principal cartão-postal da capital amazonense. Esse símbolo histórico, representante da Manaus antiga, ficou ainda mais conhecido no ano de 2004. Em novembro daquele ano, todos os olhos e câmeras apontavam para o teatro e para um longo tapete vermelho que serpenteava até a rua 10 de Julho, no Centro histórico da cidade. Acontecia ali a primeira edição do Amazonas Film Festival, primeiro evento de grande porte do estado, com foco em cinema.
A partir daí, o Amazonas entrou nos holofotes nacionais e internacionais como novo integrante do circuito cultural do Brasil. Nomes conhecidos passaram pelo tapete vermelho. Após driblarem um segurança e outro, manauenses tentavam uma foto rápida para a posteridade, com personalidades como Fernando Meirelles, Juliana Didone, Roman Polanski, Christiane Torloni, Bruna Lombardi e muitos outros.
Esse contraste também virou marca do festival. Enquanto os convidados chegavam para assistir aos filmes a serem exibidos e usufruíam de passeios de barco, coquetéis calorosos e drinques de frutas amazônicas, durante a semana do evento, o resto do ano era bem carente de movimentação na área do cinema. A não ser no esperado mês de novembro em que o AFF ocorria, o cenário era morno. Uma ou outra iniciativa independente surgia, na esperança de agregar alguns realizadores de cinema locais – como o Festival Um Amazonas.
Ao todo, o Amazonas Film Festival contou com nove edições. A “pausa” foi anunciada pela Secretaria de Cultura do­ Amazonas (SEC), em 2013, quando a crise econômica despontou. Para a produtora audiovisual Valentina Oliveira, o festival representava oportunidades. “Para mim era uma janela, uma chance de maior contato com o cinema, principalmente de conhecer produções que normalmente não viriam para os cinemas de Manaus”, afirma.
Além das exibições de produções de nível nacional e internacional, o AFF também se propunha a qualificar os entusiastas locais, por meio de palestras e oficinas. Antes do evento ser extinto, Valentina havia participado de uma oficina de direção de fotografia e um workshop ministrado por produtores escoceses. “Era uma das poucas coisas realmente voltadas para o pessoal da cidade e que quase não acontece no resto do ano”, lamenta.
O fim do festival foi pouco sentido – pelo menos pela maior parte da população. Embora a SEC tenha tentado levá- lo a outros bairros por meio de telões, as exibições não agregavam a grande massa. Sempre com foco no Teatro Amazonas, a secretaria tentou descentralizar o festival, mas quase sempre em locais que não ofereciam estrutura adequada para assistir qualquer coisa. Na edição de 2011, por exemplo, foram instalados monitores nos Terminais de Integração da cidade – mas quem conseguiria prestar atenção a um filme, em meio a tanto barulho do trânsito de ônibus?
Para o diretor Zeudi Souza, o AFF representava a chance para o realizador local produzir e exibir uma obra. Zeudi foi diretor de “Perdido”, ganhador da categoria de Melhor Curta-Metragem no festival em 2010. Segundo ele, os produtores amazonenses não se deixaram abater pelo fim do festival. “Acho que fomos forçados a procurar outros editais e plataformas para produzir nossos filmes”, afirma.
“O festival acabou, mas os realizadores resistem – a cena audiovisual continua efervescente”.
E foi como resposta ao fim do festival que surgiu a ideia de criar a Mostra do Cinema Amazonense. Trata-se de um evento realizado por e para realizadores e entusiastas do cinema local. A proposta do evento é divulgar e colocar todos ali para discutir o fazer da sétima arte no estado. O diretor Diego Bauer conta que a mostra surgiu como forma de resistência ao fim do festival. “Por mais que o Amazonas Film Festival apresentasse variados problemas, era a única oportunidade de imersão que tínhamos”, conta.
A Mostra do Cinema Amazonense teve sua primeira edição em 2015, dois anos após o fim do AFF, e possui um caráter inclusivo. “A exibição não é competitiva, a ideia é conversar ao máximo sobre o cinema no Amazonas”, explica Bauer. “Tivemos até obras de Tefé na nossa última edição”.
A pequenos e firmes passos, a mostra caminha para a sua terceira edição – mas suprir a falta do grande festival é difícil. Entre as dificuldades enfrentadas, a maior delas é a falta de recurso, uma vez que a mostra é organizada de maneira independente e conta com a Secretaria de Cultura apenas para apoio logístico. Segundo dados da Amazonas Film Comission, comissão de cinema mantida pela SEC, o Governo investiu cerca de R$191.500 apenas em premiação no festival de 2013.
A assessora da comissão Saleyna Borges conta que o fim do festival teve relação direta com a crise financeira de 2013. “A crise financeira e política do Brasil afetou diferentes setores de diversos governos e aqui no Amazonas não foi diferente”, explica.
Em dez anos de festival, foram apresentados 2.371 filmes nas mostras paralelas e 396 nas mostras competitivas, levando cerca de 1,2 mi espectadores. A esperança de Saleyna é que o Amazonas Film Festival volte – e com a mesma magnitude dos anos anteriores. Ela conta que, por mais que a verba do Estado para o festival não fosse cortada, a participação dos patrocinadores também foi prejudicada pela crise. “Nossa decisão foi de fazer essa ‘pausa’ no festival para podermos realizá-lo sem mudar a formatação e grandiosidade”, conta.
Edital paralisado 
Lançado em dezembro de 2015, o edital de fomento à produção audiovisual no Amazonas foi lançado pela Secretaria de Cultura do Amazonas (SEC) em parceria com a Agência Nacional do Cinema (Ancine). Ao todo, seriam investidos R$3 milhões para a realização de três longa-metragens, dois telefilmes e seis séries de televisão. O edital, porém, encontra-se paralisado.
Bauer lamenta a oportunidade perdida. “Seria um edital exclusivo do Amazonas, do jeito que os realizadores sempre esperaram e no molde de outras grandes capitais produtoras de cinema”, explica. Segundo ele, os cineastas foram deixados às escuras, sem perspectiva de receber o incentivo. Uma última conversa com o governador interino David Almeida chegou a ser cogitada pela SEC, mas nunca agendada.
Saleyna informou a dificuldade que a troca de governos trouxe. Segundo ela, o edital foi publicado em meio à instabilidade do governo José Melo e, por enquanto, a secretaria aguarda a liberação do recurso. “Enquanto isso, estamos tendo problemas também em fechar editais que nunca foram concluídos, obras que venceram editais e que nunca foram entregues oficialmente”, explica. “Agora existe uma movimentação dentro da secretaria para fechar esses editais não-concluídos e, então, prosseguirmos com os próximos editais”.

 Fonte: Em Tempo
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